LEI 11.888/2008: ASSISTÊNCIA TÉCNICA GRATUITA PARA HABITAÇÃO
A LEI Nº 11.888, DE 24 DE DEZEMBRO DE 2008, assegura às famílias de baixa renda assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social.
Primeiro é importante falar que essa Lei tem o potencial de melhorar consideravelmente a vida das pessoas de baixa renda. Mas, que não vem sendo usada por muitos Municípios.
Antes de falarmos o porquê dos Municípios não aderirem à esta Lei, importante explicarmos o que é esta Lei.
Esta Lei Federal entrou em vigor em Junho/2009, ou seja, 180 dias contados da sua publicação.
A Lei assegura o direito das famílias de baixa renda à assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social, como parte integrante do direito social à moradia previsto no art. 6o da Constituição Federal, e consoante o especificado na alínea r do inciso V do caput do art. 4o da Lei no 10.257, de 10 de julho de 2001.
A base do direito previsto na Lei está:
a) No direito social à moradia previsto no art. 6o da Constituição Federal.
b) Na política de desenvolvimento urbano, que também está prevista a Constituição Federal (Art. 182/CF), a ser executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, e tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
Antes da Lei nº 11.888/2008, o Estatuto da Cidade já previa a assistência técnica gratuita para as comunidades e grupos sociais menos favorecidos. Mas, era apenas um instituto previsto dentro da lei.
Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001):
Art. 4o Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos:
V – institutos jurídicos e políticos:
r) assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos sociais menos favorecidos;
A diferença é que a Lei nº 11.888/2008 trouxe alguns parâmetros de aplicação, sendo:
1º) As famílias precisam ter renda mensal de até 3 (três) salários mínimos. Então a renda é familiar, você soma as rendas dos indivíduos que compõem a família.
2º) As famílias podem ser residentes em áreas urbanas ou rurais. Portanto, não faz distinção.
3º) As famílias terão direito a:
a) assistência técnica pública que será fornecida pelo Poder Público. Não é o caso, por exemplo, da família contratar um particular e pedir o reembolso;
b) gratuita (totalmente gratuita);
c) E a assistência técnica será para o projeto e para o acompanhamento da execução da obra (aí engloba: orientação quanto à aprovação do projeto, obtenção da licença de construção, lista de materiais).
Então, quando a Lei fala da assistência técnica a Lei esclarece que ela abrange todos os trabalhos de projeto, acompanhamento e na execução da obra.
4º) Será executada por profissionais das áreas de arquitetura, urbanismo e engenharia. Cada um atuando dentro de sua especialidade e dentro da necessidade da obra.
5º) Poderá ser para a edificação, reforma, ampliação ou nos procedimentos de regularização fundiária.
Qual o objetivo principal da Lei nº 11.888/2008? É transformar a moradia num local habitável e seguro.
Outra regra trazida pela Lei nº 11.888/2008 é que a seleção das famílias beneficiadas será por meio de um ÓRGÃO COLEGIADO MUNICIPAL. Ou seja, um CONSELHO MUNICIPAL em que teremos representantes do poder público e da sociedade civil.
O que é excelente. Porque você tira da mão de uma única pessoa a decisão de quem será beneficiado. E a formação de um Conselho Municipal não é complicado de se fazer.
A Lei nº 11.888/2008 fala que a assistência pode ser feita por CONVÊNIO ou TERMO DE PARCERIA entre a União, Estados e Municípios. Então a Lei já direciona de como se efetivará o trabalho.
Os profissionais deverão ser das áreas de ARQUITETURA, URBANISMO e ENGENHARIA.
E os profissionais podem ser:
I – servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios;
II – integrantes de equipes de ONG´s (organizações não-governamentais) sem fins lucrativos;
III – profissionais inscritos em programas de residência acadêmica em arquitetura, urbanismo ou engenharia ou em programas de extensão universitária, por meio de escritórios-modelos ou escritórios públicos com atuação na área;
IV – profissionais autônomos ou integrantes de equipes de pessoas jurídicas, nestes casos esses profissionais serão previamente credenciados, selecionados e contratados pela União, Estado, Distrito Federal ou Município.
Aqui surge uma grande oportunidade de trabalho para os profissionais da área.
Em 2016 o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU BR) fez uma pesquisa que apontou que mais de 85% dos imóveis no Brasil são construídos sem a participação de um profissional da área.
Se esse projeto de assistência técnica gratuita for realmente implantado nos Municípios, nós sabemos que a maioria dos Municípios não dispõem de profissionais em número para dar conta da demanda.
A solução seria a contratação de profissionais autônomos. Por isso que eu falo que seria uma grande oportunidade de trabalho para os profissionais da área.
Até porque a Lei 11.888/2008 fala que os serviços serão permanentes.
Então, quando se fala em serviços permanentes a Lei já indica que será um programa contínuo. Não é o caso de se fazer um projeto para um determinado local e parar por aí.
A ideia é que seja um projeto contínuo beneficiando todo o Município.
A Lei nº 11.888/2008 no artigo 3º disciplina que a União vai dar apoio financeiro aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para a execução desses serviços.
Por sua vez, no artigo 6º a Lei esclarece que os serviços de assistência técnica devem ser custeados por recursos de fundos federais direcionados à habitação de interesse social, por recursos públicos orçamentários ou por recursos privados.
Já existe desde 2005 o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (criado pelo Lei Federal nº 11.124/2005), de onde poderia sair esses recursos.
E como esses recursos seriam disponibilizados?
A forma já foi disciplinada pela própria Lei nº 11.888/2008, ou seja, por meio de Convênio ou Termo de Parceria dos Estados e Municípios com a União.
Então, no caso da Lei 11.888/2008, nós teríamos:
Elaboração do projeto, aprovação na prefeitura (sem pagamento de taxas), obtenção da licença de construção, disponibilização de lista de materiais, acompanhamento da obra e, por fim, o Habite-se.
Então, entendo que não é caso de regulamentação da Lei Federal.
Entendo que as ações precisam partir agora dos Municípios. E são ações simples.
É o Município instituir sua Política de Habitação de Interesse Social, através de uma lei municipal. Essa lei municipal vai:
a) Criar o Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social, para o recebimento dos recursos federais, estaduais, aqueles recursos previstos na Lei Orçamentária Municipal e recursos privados;
b) Criar o Conselho Gestor desse Fundo Municipal;
c) Criar o ÓRGÃO COLEGIADO MUNICIPAL (que é o CONSELHO MUNICIPAL) com representantes do poder público e da sociedade civil. É este Conselho que vai fazer a seleção das famílias beneficiadas;
d) Autorizar o Município a firmar convênios com o Governo Federal visando o repasse de recursos para a implementação dos Programas de Habitação e de Assistência Técnica Pública e Gratuita.
O Município vai criar também o seu PLANO DE HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL. Dentro deste plano vai estar prevista a Assistência Técnica Pública e Gratuita para projeto, construção, reforma, ampliação e regularização das moradias de Interesse Social.
Não vejo dificuldade de aprovação de uma lei dessa natureza na Câmara Municipal, até porque a lei tem um apelo social. Dificilmente um vereador votaria contra.
Dependendo do tipo de Lei Municipal, pode ser que precise de regulamentação, mas que também é algo simples, pois seria por meio de um Decreto Municipal.
Muitos Municípios já possuem essa legislação pronta.
Assim, tomadas essas providências, é elaborar os projetos dentro do Munícipio e apresentar ao Governo Federal.
Mas, os recursos disponibilizados pelo Governo Federal não são apenas para a Assistência Técnica Gratuita.
Em relação aos materiais, por exemplo, o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social faz previsão na Lei Federal nº 11.124/2005 de se utilizar os recursos do Fundo para a aquisição de materiais para construção, ampliação e reforma de moradias (artigo 11, V).
Não só isso, pois também existe previsão para locação social. Se você vai reformar o imóvel da família, ela vai precisar sair. Sair para onde? Então existe também a previsão na Lei Federal nº 11.124/2005 de locação de um imóvel para a pessoa ficar no período da reforma/construção.
Portanto, quando você sai da Lei de Assistência Técnica Gratuita e olha as oportunidades no campo da Habitação como um todo, você pode executar vários tipos de trabalho, sendo:
a) Melhoria Habitacional Pontual:
São serviços de intervenção pontual na moradia, que podem ser conserto de um telhado, infiltração, esquadrias, até a reforma completa de um cômodo da casa (banheiro, quarto, cozinha);
b) Melhoria Total da Moradia:
Há a substituição da moradia na sua totalidade, mas desde que não demande lote. A pessoa precisaria ter um lote regularizado;
c) Unidade Habitacional Nova e o Lote:
São ações que produzem a unidade habitacional associada ao lote;
d) Regularização Fundiária:
Aí não estamos falando apenas de uma unidade habitacional, e sim de uma área que precisa ser regularizada. Nesse caso, entraria os institutos da Regularização Fundiária previstos na Lei Federal nº 13.465/2017. Que é o caso de você garantir a posse ou propriedade em nome das famílias.
Essa intervenção do Poder Público traz como consequência a própria regularização do imóvel perante o Município.
Então, você traz a regularização, traz a urbanização, regulariza a posse ou propriedade em nome da família, e ainda constrói ou reforma a moradia.
e) Intervenções no Entorno e nos Espaços Públicos:
São aquelas ações que visam a qualificação da infraestrutura, dos espaços livres de uso público (praças, jardins, áreas de esporte), das calçadas, das vias públicas, dos equipamentos públicos com um todo (Posto de Saúde, Escola, Creche).
Quando o Município faz um programa de Regularização Fundiária ou de Urbanização, por exemplo, você tem a aplicação dos recursos em obras de infraestrutura, construção de moradias, drenagem, abastecimento de água, esgotamento sanitário e iluminação pública, pavimentação. Então esse trabalho de Assistência Técnica Gratuita já poderia estar incluído.
Não vejo como possível aplicar apenas a Assistência Técnica Gratuita nos loteamentos irregulares ou clandestinos. A Assistência Técnica necessariamente precisaria fazer parte do projeto de Regularização Fundiária.
OBSERVAÇÃO: NO MEU SITE www.renatogiuberti.com.br EU TENHO UM ARTIGO COMPLETO SOBRE A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA. Se quiser saber mais, acessa lá.
O importante é sabermos que existe recurso federal disponível, tanto para uma intervenção pontual na moradia (como conserto de um telhado), para a Assistência Técnica Gratuita, até a implementação de regularização fundiária/urbanização de uma área inteira.
Os Programas do Governo Federal são vários. Cada hora lança um com nome diferente.
Ultimamente está em vigência o PRÓ-CIDADES, que é um Programa de Desenvolvimento Urbano. Vejamos:
Programa de Desenvolvimento Urbano – Pró-Cidades:
O sistema tem por objetivo proporcionar aos entes federados brasileiros condições para a formulação e implantação de política de desenvolvimento urbano local a partir do financiamento de investimentos apresentados na forma de projetos integrados de melhoria de um perímetro urbano, previamente definido e, assim, garantir maior efetividade da função social da cidade e da propriedade urbana, priorizando a ocupação democrática de áreas urbanas consolidadas.
Podemos concluir, então, que basta o Município elaborar os seus projetos e cadastrá-los junto ao Governo Federal.
Como seria essa tramitação que o Município precisa fazer?
a) O Município – Prefeitura Municipal – encaminha proposta ao Governo Federal e estabelece um Convênio ou Termo de Parceria para o repasse de recursos federais para o Programa de Assistência Técnica;
b) O Município por meio do Conselho Municipal de Habitação (ou outro órgão colegiado) elabora o cadastro das famílias com renda de até 3 salários mínimos e que estejam aptas a receber a Assistência Técnica. (Sugestão: Para a elaboração deste cadastro pode-se utilizar o CadÚnico, ou outros já existentes no Município);
Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico): é o instrumento de identificação e caracterização socioeconômica das famílias de baixa renda para a seleção de beneficiários e a integração dessas pessoas a programas sociais governamentais. A definição está no Decreto Federal nº 6.135, de 26 de junho de 2007, que regulamentou o CadÚnico.
Famílias com renda mensal per capita de até meio salário mínimo ou que possuam renda familiar mensal de até três salários mínimos são cadastradas nesse banco de dados por atores e órgãos da rede de proteção. A inclusão permite que elas tenham acesso às políticas públicas de assistência social disponibilizadas pelo estado.
c) O Município poderá se utilizar:
I – de servidores do próprio Município (muitos Municípios não dispõem de efetivo para esse trabalho);
II – de integrantes de ONG´s sem fins lucrativos;
III – de profissionais inscritos em programas de residência acadêmica em arquitetura, urbanismo ou engenharia ou em programas de extensão universitária;
IV – de profissionais autônomos (neste caso eles serão credenciados, selecionados e contratados pelo Município).
d) A família selecionada recebe a indicação de um profissional;
e) O profissional presta a primeira parte da assistência técnica que é a elaboração do projeto (lembrando que o projeto pode ser para edificação, reforma ou ampliação), faz o encaminhamento para aprovação e obtenção da licença de construção, quando necessário (Nós sabemos que dependendo da intervenção que será realizada, não há necessidade de aprovação de um projeto);
f) A família obtém recursos para a compra dos materiais que pode ser: junto às linhas de financiamento das instituições financeiras, programas de Habitação de Interesse Social ou com recursos próprios;
g) O profissional presta a segunda parte da assistência técnica que é acompanhar a execução da obra;
h) O profissional elabora seus relatórios de serviço, informando a conclusão dos trabalhos;
i) A remuneração do profissional pode seguir as tabelas de honorários de cada categoria. O recebimento dos honorários pode se dar por etapas. Não existindo tabelas de honorários, pode-se pedir auxílio aos Conselhos de Classe para a fixação desses valores.
Diante do que foi exposto, temos que é hora das associações de moradores e outros movimentos sociais se unirem para cobrar dos gestores municipais a implementação destes programas, pois se esperarmos apenas pela vontade política do gestor, por certo muitos municípios não serão contemplados com essa importante ferramenta de gestão pública urbana.
Dr. RENATO GIUBERTI – Advogado Ambiental e Urbanístico