CONDOMÍNIO DE LOTES
I – CONSIDERAÇÕES INICIAIS:
Gostaria de falar hoje sobre CONDOMÍNIO DE LOTES.
Inicialmente vou esclarecer que o condomínio de lotes é diferente do loteamento de acesso controlado (popularmente conhecido como Loteamento Fechado).
Então, para que não haja confusão de entendimento, vou explicar sobre as diferenças entre esses dois empreendimentos.
Tanto o condomínio de lotes quanto o loteamento de acesso controlado nasceram da necessidade que nós temos de segurança, infraestrutura adequada e qualidade de vida.
E apesar da Constituição Federal trazer que a vida e a segurança pública são direitos fundamentais e devem ser garantidos pelo Poder Público (artigos 5º, caput, 6º e 144), nós sabemos que existem deficiências no exercício e na implementação das políticas públicas, o que leva o cidadão a buscar alternativas para se proteger.
Dentre essas alternativas que o cidadão lança mão estão o condomínio de lotes e o loteamento de acesso controlado.
Comecemos pelo loteamento de acesso controlado (loteamento fechado).
II – LOTEAMENTO DE ACESSO CONTROLADO:
O loteamento de acesso controlado é um loteamento tradicional que segue as regras estabelecidas pela Lei Federal nº 6.766/1979, que assim disciplina:
“Art. 2º. O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta Lei e as das legislações estaduais e municipais pertinentes.
§ 1o Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes.
§8º Constitui loteamento de acesso controlado a modalidade de loteamento, definida nos termos do §1º deste artigo, cujo controle de acesso será regulamentado por ato do poder público Municipal, sendo vedado o impedimento de acesso a pedestres ou a condutores de veículos, não residentes, devidamente identificados ou cadastrados.”
Ou seja, é um loteamento que precisa ser aprovado perante o Município e cumprir todas as exigências urbanísticas como: Projeto urbanístico dividindo a área em lotes, contendo as vias de circulação, as áreas de equipamento público e os espaços livres de uso público.
A porcentagem de área que é repassada ao Poder Público se encontra definida em Lei Municipal, sendo que em sua maioria é estipulado um percentual mínimo de 35% (trinta e cinco por cento).
Merece aqui um breve comentário sobre o que é lote.
Lote é o terreno servido de infraestrutura básica cujas dimensões atendam aos índices urbanísticos definidos pelo plano diretor ou lei municipal para a zona em que se situe (art. 2º, §4º da Lei nº 6.766/1979).
Nas palavras de José Afonso da Silva, é “a porção de terreno com frente para logradouro público em condições de receber edificação residencial, comercial, institucional ou industrial. Lotes são, pois, unidades edificáveis” (SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 334). Por sua vez, a noção de gleba é obtida por exclusão em relação ao conceito de lote: é o terreno que não foi objeto de parcelamento aprovado.
A segunda etapa deste tipo de empreendimento vem com a implantação do controle de acesso (fechamento) do loteamento por meio da concessão de uso de bens públicos pelo Município, podendo se basear tanto em lei municipal quanto no Decreto-Lei Federal nº 271/1967. Esse fechamento normalmente ocorre com a construção de muro ou alambrado no seu entorno e guarita de controle de acesso.
Sobre o tema, o Decreto-Lei Federal nº 271/1967 assim disciplina:
“Art. 7º É instituída a concessão de uso de terrenos públicos ou particulares remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, como direito real resolúvel, para fins específicos de regularização fundiária de interesse social, urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra, aproveitamento sustentável das várzeas, preservação das comunidades tradicionais e seus meios de subsistência ou outras modalidades de interesse social em áreas urbanas.
§1º A concessão de uso poderá ser contratada, por instrumento público ou particular, ou por simples têrmo administrativo, e será inscrita e cancelada em livro especial.”
E o que significa essa concessão de uso de bens públicos dada pelo Município em favor do Loteador no caso dos Loteamentos de acesso controlado??
Como o nome diz, a concessão é de uso, uso de um bem público. Portanto, não se trata de transferência da propriedade ou domínio para o Loteador, sendo somente o uso. Então, as pessoas que ali residirem poderão usar de maneira particular desses bens.
Essa concessão poderá ser de forma remunerada, ou seja, o loteador pagará ao Município uma contraprestação pelo uso. Como também pode ser gratuita.
Normalmente no Termo de Concessão o Município repassa ao Loteador a responsabilidade de promover a manutenção e a conservação interna do loteamento, incluindo o recolhimento de lixo e iluminação das vias de circulação.
Além disso, a concessão pode ser fixada por um tempo certo ou por prazo indeterminado. Sendo o prazo indeterminado, o Município terá direito de, a qualquer tempo, promover a resolução dessa concessão, pois trata-se de um direito real resolúvel. Mas, se a concessão se deu por prazo determinado, caso o Munícipio revogue a concessão antes do prazo final, deverá indenizar a outra parte pelos gastos com o fechamento do loteamento.
Por outro lado, se o Loteador descumprir qualquer regra imposta no Termo de Concessão, poderá o Município revogar o ato sem que o loteador tenha direito à indenização e, ainda, ficará responsável em efetuar a demolição do muro ou alambrado que cerca o loteamento.
Esse, então, é o Loteamento na sua forma de acesso controlado.
Vamos falar agora do Condomínio de Lotes.
III – CONDOMÍNIO DE LOTES:
O Condomínio de Lotes é aquele composto apenas por lotes, sem a obrigatoriedade do empreendedor entregar o empreendimento com casas construídas.
O Condomínio de Lotes possui regramento jurídico diferente do loteamento.
O Condomínio de Lotes foi introduzido expressamente no ordenamento jurídico brasileiro por meio da Lei nº 13.465/2017, que incluiu no Código Civil o artigo 1.358-A, que trata especificamente desse tema. Vejamos:
“Art. 1.358-A. Pode haver, em terrenos, partes designadas de lotes que são propriedade exclusiva e partes que são propriedade comum dos condôminos. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)
§1º A fração ideal de cada condômino poderá ser proporcional à área do solo de cada unidade autônoma, ao respectivo potencial construtivo ou a outros critérios indicados no ato de instituição. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)
§2º Aplica-se, no que couber, ao condomínio de lotes o disposto sobre condomínio edilício neste Capítulo, respeitada a legislação urbanística. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)
§3º Para fins de incorporação imobiliária, a implantação de toda a infraestrutura ficará a cargo do empreendedor. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)”
Portanto, nesse sentido e por expressa previsão legal, o Condomínio de Lotes será constituído de uma área em que teremos uma parte com os lotes (que será de propriedade exclusiva de cada condômino) e outra parte que será de propriedade comum de todos os condôminos (vias de circulação, praças, áreas de recreação, esporte, lazer e demais áreas comuns).
Quanto à aplicação da Lei nº 6.766/1979, entende-se que o condomínio de lotes precisa respeitar as normas sobre parcelamento do solo, desde que haja compatibilidade, conforme indicam diversos dispositivos legais (Lei nº 6.766/1979, artigo 2º, §§ 4º e 7º, e artigo 4º, §4º; CC/02, artigo 1.358-A, parágrafo 2º, parte final).
Vejamos:
Lei Nº 6.766/1979
“Art. 2º. O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta Lei e as das legislações estaduais e municipais pertinentes.
§4º Considera-se lote o terreno servido de infra-estrutura básica cujas dimensões atendam aos índices urbanísticos definidos pelo plano diretor ou lei municipal para a zona em que se situe.
§7º O lote poderá ser constituído sob a forma de imóvel autônomo ou de unidade imobiliária integrante de condomínio de lotes. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017).”
“Art. 4º. Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos:
§4º No caso de lotes integrantes de condomínio de lotes, poderão ser instituídas limitações administrativas e direitos reais sobre coisa alheia em benefício do poder público, da população em geral e da proteção da paisagem urbana, tais como servidões de passagem, usufrutos e restrições à construção de muros.”
Há quem defenda a inaplicabilidade da Lei nº 6.766/79 aos condomínios de lotes. Porém, o fato de haver algumas regras da Lei de Parcelamento do Solo Urbano que são claramente inaplicáveis à nova categoria, não pode, de modo algum, afastar por completo a sua incidência.
De fato, há normas que não devem incidir, por sua incompatibilidade, como aquelas do artigo 4º, I, e do artigo 22 (Lei nº 6.766/1979), que dizem respeito à transferência de “áreas públicas” ao Município.
Por outro lado, dentre as regras compatíveis da Lei nº 6.766/1979 ao Condomínio de lotes podemos citar:
1) Aquelas que proíbem a implantação do empreendimento (artigo 3º, Parágrafo Único):
I – em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as providências para assegurar o escoamento das águas;
Il – em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública, sem que sejam previamente saneados;
III – em terrenos com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento), salvo se atendidas exigências específicas das autoridades competentes;
IV – em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edificação;
V – em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a sua correção.
2) Aquelas que definem os usos permitidos e os índices urbanísticos de parcelamento e ocupação do solo, que incluirão, obrigatoriamente, as áreas mínimas e máximas de lotes e os coeficientes máximos de aproveitamento (artigo 2º, §4º).
3) Aquelas que discorrem sobre a infraestrutura básica: escoamento das águas pluviais, iluminação pública, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, energia elétrica pública e domiciliar e vias de circulação (artigo 2º, §5º).
Antes da Lei nº 13.465/2017, já existiam aqueles que defendiam a possibilidade de implementação do Condomínio de Lotes com base no art. 3º do Decreto-Lei nº 271/1967. Referido dispositivo preleciona que:
“Art 3º Aplica-se aos loteamentos a Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, equiparando-se o loteador ao incorporador, os compradores de lote aos condôminos e as obras de infra-estrutura à construção da edificação.”
O entendimento é que a Lei nº 6.766/1979 não revogou integralmente o Decreto-Lei nº 271/1967, pois são normas de perspectivas diversas, com objetivos distintos.
Isso porque a Lei nº 6.766/1979 procura viabilizar o fracionamento da coisa privada com o objetivo de que ela seja integrada às coisas públicas. Já o artigo 3º do Decreto-Lei nº 271/1967 procura viabilizar um modelo de empreendimento imobiliário que, além de ofertar incremento do direito fundamental à segurança, oferece um acréscimo no modelo de convivência, alcançável pelas partes do empreendimento destinadas ao convívio comum dos habitantes, como áreas de lazer, praças e parques esportivos.
Então, se para o Loteamento de acesso controlado eu utilizo o regramento da Lei de Parcelamento do Solo (Lei nº 6.766/1979 e a legislação municipal), para o Condomínio de Lotes eu utilizo as regras do Código Civil, a Lei nº 4.591/1964 e as regras compatíveis da Lei nº 6.766/79.
Então, alguns aspectos precisam ser observados no caso do Condomínio de Lotes:
1º) Deve-se promover a instituição do Condomínio e elaborar a Convenção Condominial, levando a registro perante o cartório competente, nos termos do Código Civil que assim disciplina:
“Art. 1.332. Institui-se o condomínio edilício por ato entre vivos ou testamento, registrado no Cartório de Registro de Imóveis, devendo constar daquele ato, além do disposto em lei especial:
I – a discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva, estremadas uma das outras e das partes comuns;
II – a determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno e partes comuns;
III – o fim a que as unidades se destinam.”
“Art. 1.333. A convenção que constitui o condomínio edilício deve ser subscrita pelos titulares de, no mínimo, dois terços das frações ideais e torna-se, desde logo, obrigatória para os titulares de direito sobre as unidades, ou para quantos sobre elas tenham posse ou detenção.
Parágrafo único. Para ser oponível contra terceiros, a convenção do condomínio deverá ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis.”
Neste aspecto, soluciona-se a séria questão de cobrança do rateio das despesas indispensáveis para a manutenção do empreendimento (como segurança, portaria, ajardinamento, áreas de recreação, esporte e lazer, entre outros), pois no Condomínio de Lotes haverá uma Convenção de Condomínio e um dos deveres dos adquirentes das unidades será o pagamento do rateio das despesas, na forma do artigo 1.336, I, do Código Civil, nestes termos:
“Art. 1.336. São deveres do condômino:
I – contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção;”
2º) A cada unidade autônoma (lote) caberá uma fração ideal das áreas comuns em proporção a ser definida no ato de instituição do Condomínio. Isso significa que as ruas, as praças e as demais áreas de uso comum não são transferidas à propriedade do Município, elas continuam sendo propriedade privada, pertencentes aos titulares dos lotes de acordo com a respectiva fração ideal.
Aqui se apresenta, portanto, uma das grandes diferenças do Condomínio de Lotes para o Loteamento de acesso controlado. No loteamento de acesso controlado, como anteriormente falado, é obrigatório o empreendedor transferir para o domínio do Município 35% (trinta e cinco por cento) da área do empreendimento, correspondente às vias de circulação, equipamentos públicos e espaços livres de uso público. O que não ocorre, portanto, no condomínio de lotes.
3º) A responsabilidade pelas despesas de manutenção internas do Condomínio será dos condôminos, não recaindo sobre o Município qualquer tipo de obrigação.
4º) A edificação a ser erguida por cada condômino deverá respeitar as regras da Convenção de Condomínio e das normas de ordem pública.
5º) O artigo 1.358-A, §1º, do Código Civil traça balizas abertas para o cálculo da fração ideal de cada condômino. Seguiu critério similar aos dos artigos 1.331, §3º, e 1.332 do Código Civil, abrindo espaço para a autonomia privada administrativa por ocasião da instituição do condomínio.
6º) Somente serão abertas matrículas para as unidades autônomas (lotes) no momento da instituição condominial. É aí que as unidades ganham existência registral e passam a receber registros e averbações.
7º) A alienação das unidades (lotes) pode se dar em duas hipóteses:
a) Estando o Condomínio de Lotes inteiramente pronto, o empreendedor providenciará o termo de entrega integral das obras certificado pela Prefeitura Municipal como requisito formal do registro da instituição do condomínio. Nessa hipótese, dispensável a prévia incorporação imobiliária.
b) Poderá o empreendedor alienar os lotes do Condomínio a ser implantado, ou durante a implantação, mediante negócio de incorporação imobiliária, na forma da Lei nº 4.591/1964. Nessa hipótese, não poderá repassar aos adquirentes a responsabilidade pela realização das obras de infraestrutura. O custo das obras será sempre repassado, pois embutido no preço dos lotes, mas não a responsabilidade pela sua implantação. A responsabilidade objetiva pela implantação das obras, consistentes de obrigação de fazer, é do incorporador.
IV – CONCLUSÃO:
O que antes era discutido pela doutrina e jurisprudência, agora o novo artigo 1.358-A do Código Civil passa a permitir expressamente a criação de um condomínio que será composto por lotes, os quais estarão necessariamente vinculados a uma fração ideal das áreas comuns em proporção a ser definida no ato de instituição.
Isso significa que, nesse arranjo espacial, as ruas, as praças e as demais áreas de uso comum não são transferidas à propriedade do Município, mas continuam sendo propriedade privada, pertencentes aos titulares dos lotes de acordo com a respectiva fração ideal.
Esse novo formato que é o condomínio de lotes pode cumprir um papel positivo no desenvolvimento urbano brasileiro, oferecendo uma alternativa viável e eficiente de gestão de bens e serviços urbanos essenciais para a segurança, a salubridade e o conforto do espaço urbano.
Dr. RENATO GIUBERTI – Advogado Ambiental e Urbanístico